Múmias decapitadas e estátuas danificadas no Museu do Cairo

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Uma múmia destruída caída no chão, cabeça para um lado, ossos para o outro; forças especiais do Exército a guardar o interior do Museu Egípcio do Cairo junto a estátuas de faraós danificadas; Zahi Hawass, director do Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto, a falar ao telemóvel, com um ar alarmado, tendo atrás um soldado empunhando uma metralhadora; a máscara funerária de Tutankhamon protegida por militares – as imagens da AP disponíveis ontem no “site” do El País são reveladoras do ambiente no interior do museu depois do assalto e das pilhagens que ocorreram na noite de 28 para 29.

Apesar da presença das forças especiais, as antiguidades egípcias continuam “sob séria ameaça” enquanto nas ruas do Cairo os protestos e manifestações prosseguem, alertava na segunda-feira o “Art Newspaper”. “O meu coração está partido e o meu sangue ferve. Sinto que tudo o que fiz nos últimos nove anos foi destruído num dia”, desabafou Hawass, visivelmente emocionado, no dia 30.

Entre os estragos há a registar pelo menos duas múmias decapitadas e uma estátua de Tutankhamon danificada depois de ter sido atirada ao chão, revela o “Art Newspaper”. O El País adianta, citando Hawass, que os assaltantes entraram precisamente numa das salas onde estão expostos os objectos do célebre túmulo de Tutankhamon e partiram uma das vitrinas. Não chegaram, contudo à sala contígua, a número três, que guarda os maiores tesouros do jovem faraó, entre os quais a sua máscara de ouro.

O diário espanhol explica ainda que uma avaliação completa do que foi danificado é difícil, até porque o responsável pelas antiguidades egípcias deu ordem para que não fossem recolhidas mais imagens nos últimos dias. As que existem são, por isso, as que foram obtidas logo a seguir ao assalto, e é a partir delas que os especialistas têm tentado avaliar as perdas. “Tudo leva a crer que Hawass está a minimizar os danos sofridos”, refere o El País, sublinhando no entanto que os estragos não serão comparáveis, por exemplo, aos que sofreu o Museu Nacional de Bagdad, no Iraque. O jornal cita estragos em objectos do Império Médio, entre os quais figuras de madeira policromada do túmulo de Mesehti (2000 a.C.) e o modelo de um barco com tripulantes. Mas, sublinha, o mais preocupante são os estragos nas duas múmias, cuja identidade não foi divulgada.

O Museu Egípcio fica na Praça Tahrir, que tem sido o centro dos protestos contra o regime de Hosni Mubarak. Na noite de 28 um grupo de pessoas saltou os muros do museu e entrou no recinto, dirigindo-se imediatamente para a loja, onde peças de joalharia moderna foram roubadas. De acordo com o “Art Newspaper”, apenas dez dos assaltantes seguiram depois para as galerias onde provocaram a destruição.

O jornal refere ainda notícias de pilhagens noutros locais, nomeadamente o Museu de Port Said e as escavações de Saqqara.

"Estão a esconder a dimensão dos danos”

A professora Maria Helena Trindade Lopes, egiptóloga que dirige a única equipa de arqueólogos portugueses desde há uma década a trabalhar no Egipto, no sítio de Saqqara, a poucos quilómetros a sul do Cairo, confirmou ao PÚBLICO que os assaltos e pilhagens se estenderam a esta localidade e também às estações de Mênfis e de Abusir.

“Houve também ataques nestes sítios arqueológicos e nos museus aí existentes, mas as autoridades estão a esconder a dimensão dos danos”, disse esta docente da Universidade Nova de Lisboa. Em contactos com a sua “família” egípcia, Maria Helena Trindade Lopes soube que os ataques foram perpetrados naquele “tempo vazio” entre o abandono da polícia e a chegada dos militares, que entretanto repuseram a normalidade.

Sem ter conseguido saber em pormenor qual a gravidade dos assaltos, a egiptóloga portuguesa acrescentou que os seus colegas de investigação no local a tranquilizaram quanto à situação actual, e lhe asseguraram que as pilhagens foram feitas por indivíduos que “não pertenciam à população local, mas que conheciam os locais e sabiam o que lhes interessava”.

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